quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Os que morreram no Senhor

Todos os santos (Festum omnium sanctorum).
Bem-aventurado Frei Angélico (1387-1455). National Gallery, Londres

Wiliam Gonçalves*

Novembro se abre com a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis Defuntos. Com a Igreja, lancemos um olhar sobre alguns aspectos das realidades últimas do homem. Que todos morreremos é a verdade mais certa. Mas o catolicismo afirma explicitamente que os que se colocam ao lado de Deus nesta vida continuam ao lado dele no além.

A morte não é o término da amizade que nos une a Deus e às pessoas que amamos. A bem dizer, para os que creem no Senhor, é como se ela não existisse. Nossa fé nos ensina que não somos só corpo físico: há uma dimensão em nós que não se deteriora com o tempo e nem se extingue com a morte. Conscientes disso, os antigos cristãos chamavam o dia da morte de “o dia do verdadeiro nascimento”. Já São Paulo dizia: “Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer, lucro... desejo ardentemente partir para estar com Cristo, o que para mim é muito melhor” (Fl 1,21.23).

A data litúrgica do dia 1º de novembro coloca sob nosso olhar a admirável visão do céu, a visão da multidão sem conta dos que procedem de todos os povos e línguas da terra. Em meio a essa multidão, encontramos não só aqueles que a Igreja inscreveu em seu catálogo oficial dos santos, mas também  incontáveis anônimos que na vida andaram nos passos de Jesus. Quantos amigos e parentes, quantas pessoas simples para as quais ninguém olhava! Agora chegaram à casa do Pai e triunfam no céu, de onde podem nos valer como intercessores junto a Deus Nosso Senhor. Deles podemos dizer: “Estes são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e branquearam as suas vestes no sangue do Cordeiro. Por isso estão diante do trono de Deus e lhe prestam culto, dia e noite, no seu santuário” (Ap 7,14s).

No dia 2 de novembro, a Igreja celebra a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos. Atentemos bem para o nome: não é simplesmente o dia dos mortos, mas o dia dos “fiéis defuntos”. A quem foram fiéis? A Jesus Cristo, aquele “que vai à frente de nossa fé e a leva à perfeição” (Hb 12,2). Nessa data, a Igreja quer nos lembrar de que há um purgatório e que devemos auxiliar com nossas orações os que se encontram nesse estado póstumo.

Nosso tempo dá a impressão de que os católicos andamos meio esquecidos dessas realidades. Pouco se ouve sobre purgatório e sufrágio pelos mortos, mesmo nas pregações ao povo. Alguns, erroneamente, pensam que esses pontos são conteúdos ultrapassados da catequese antiga. Lembremos, no entanto, os parágrafos 1030ss do Catecismo da Igreja Católica: “Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do céu. A Igreja denomina Purgatório essa purificação final dos eleitos... Este ensinamento apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, da qual já a Sagrada Escritura fala: ‘Eis por que ele [Judas Macabeu] mandou oferecer esse sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, a fim de que fossem absolvidos de seu pecado’” (2Mc 12,46).

O que a Igreja quer nos ensinar neste início do mês de novembro é o bonito conceito teológico que ela chama de “comunhão dos santos”: os cristãos na terra (Igreja militante), no céu (Igreja triunfante) e no purgatório (Igreja padecente) formam uma grande unidade. Nada nos pode separar. Uns cooperamos com os outros. O amor nos mantém unidos e “o amor jamais passará” (1Cor 13,8).

A morte e os que morreram no Senhor não nos inspiram medo. O autor da Carta aos Hebreus afirma: “Vós vos aproximastes do monte Sião e da Cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste; da reunião festiva de milhões de anjos; da assembleia dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vós vos aproximastes de Deus, o Juiz de todos; dos espíritos dos justos, que chegaram à perfeição; de Jesus, o mediador da nova aliança e da aspersão com um sangue mais eloquente que o de Abel” (Hb 12,22-24). Deus seja louvado!

* Professor, licenciado em Filosofia.


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